O hidrogênio natural (H₂) emergiu como um recurso energético de baixo carbono com alto potencial na transição energética, além de desempenhar um papel fundamental em ecossistemas microbianos subsuperficiais que dependem de processos quimiolitotróficos. Sua geração no subsolo, especialmente em ambientes cristalinos, ocorre principalmente por interações água‑rocha, como a serpentinização de rochas ultramáficas, e por radiólise, que divide moléculas de água devido à desintegração natural de elementos radioativos (U, Th, K) presentes na litosfera. Esse último processo, além de gerar H₂, pode produzir sulfato, que atua como aceitador de elétrons em metabolismos microbianos de redução de sulfato dependentes de hidrogênio (Higgins et al., 2025). Como esses mecanismos ocorrem naturalmente, o H₂ pode ser considerado um recurso renovável.
Esse tipo de hidrogênio foi detectado em várias configurações geológicas, incluindo ofiolitos, bacias intracratônicas, zonas de extensão e outros tipos de rochas. Exemplos notáveis incluem o campo de Bourakebougou, no Mali, onde já está sendo aproveitada uma acumulação rica em hidrogênio; a bacia do São Francisco, no Brasil, que apresenta altas concentrações em poços e numerosas emissões superficiais; e filtrações associadas a ofiolitos, como a icônica “chama eterna” de Chimaera, na Turquia. Há também explorações ativas em regiões da Austrália e nas encostas dos Pirineus ocidentais (França e Espanha). Na Espanha, existe ainda um depósito natural de hidrogênio em Huesca—especificamente em Monzón—que está sendo estudado e espera‑se que possa ser explorado no futuro.
A exploração de hidrogênio natural segue um fluxo semelhante ao da exploração petrolífera. O primeiro passo consiste em detectar indícios de sua presença e relacioná-los a uma fonte geradora. Esta análise preliminar permite estimar o volume potencial do recurso, orientando os esforços para sua caracterização e exploração. Em seguida, é necessário entender os mecanismos de migração do gás até possíveis armadilhas ou reservatórios e, finalmente, caracterizá-los para avaliar sua viabilidade.
A geofísica, empregando métodos sísmicos e potenciais, desempenha um papel fundamental nessa fase inicial, pois permite delinear as estruturas geológicas do subsuperfície, definindo o quadro físico do sistema. A geoquímica é crucial para detectar emanações superficiais e rastrear a migração do H₂, que muitas vezes se manifesta na superfície como depressões circulares. Além disso, a análise detalhada das rochas—como as cromititas em ofiolitos, usando técnicas tridimensionais como microtomografia—oferece uma compreensão mais profunda dos processos de geração, armazenamento e circulação do gás.
Nesse contexto complexo, o geólogo integrador tem a missão de reconstruir a história geológica de uma região, identificando os eventos e condições que permitiram a geração, migração e conservação do hidrogênio no subsolo, bem como a localização de reservatórios potenciais.
Uma vez perfurado o primeiro poço exploratório, realiza-se uma avaliação mais detalhada por meio de técnicas de petrofísica e física de rochas, que permitem caracterizar com maior precisão os reservatórios e definir critérios de detecção a partir de atributos sísmicos. Essa informação é então integrada em um modelo geocelular, que permite simular o sistema completo e orientar decisões futuras sobre sua exploração.
Casos destacados na América Latina
Brasil – Petrobras: A empresa estatal lançou em 2024 um programa de P&D para hidrogênio natural com investimento inicial de 20 milhões de reais. Já em 2023, organizou workshops especializados e colaborações internacionais para avaliar ferramentas de prospecção de H₂ natural ( inspenet.com). . Esse esforço conjunto (entre engenheiros da Petrobras e centros de pesquisa) tem como objetivo validar metodologias geofísicas e geoquímicas e mapear geradores em bacias brasileiras.
Chile: Uma equipe liderada pela Dra. Diana Comte (Univ. Chile) obteve financiamento nacional para estudar hidrogênio natural no Altiplano Andino. Sua pesquisa interdisciplinar integra geologia, geoquímica e geofísica para definir um modelo conceitual de formação e acumulação de H₂ no norte do Chile ( uchile.cl). Pretendem aplicar técnicas de amostragem de gases na superfície, medições isotópicas e modelagem geotérmica para identificar focos de emissão. Esse estudo acadêmico demonstra a adoção de uma abordagem integrada semelhante à exploração petrolífera, mas adaptada ao hidrogênio.
Casos destacados na Europa
Espanha – Projeto Monzón (Helio Aragón): Em Aragão, a Helio Aragón (joint venture entre BP e a espanhola Axión) está liderando o primeiro projeto europeu de hidrogênio natural. Segundo a pv‑magazine, o prospecto Monzón foi definido com sísmica 2D e levantamentos gravimétricos de alta densidade, e amostragem geoquímica de superfície detectou concentrações elevadas de H₂ (e He) sobre o reservatório e falhas principais. Está prevista a perfuração do poço Monzón‑2 no segundo semestre de 2024 (~€12 M), que será o primeiro da Europa voltado à extração de hidrogênio natural. A empresa informa que a estrutura de Monzón (anticlinais e armadilhas) e as anomalias geoquímicas sugerem volumes recuperáveis estimados> 1 milhão de toneladas de H₂ no atual contrato, com maior potencial na região. O desenvolvimento considera tecnologias convencionais de produção contínua com custo projetado abaixo de 1 €/kg (sem necessidade de eletrólise ou novo armazenamento) (pv-magazine.es).
França – Permissão Sauve Terre e TBH2: Em dezembro de 2023, a França autorizou a primeira permissão de pesquisa dedicada ao hidrogênio nativo nos Pireneus Atlânticos (chamada “Sauve Terre H₂”). Concedida à startup TBH2 Aquitaine (empresa originada da deeptech Terrensis), cobre 225 km² do Béarn. A área foi selecionada por reunir “todas as condições necessárias” para geraçãoe acumulaçãode H₂ (usinenouvelle.com): a rocha de manto encontra-se relativamente rasa, permitindo que águas meteóricas penetrem até as peridotitas serpentinizadas (gerando hidrogênio por oxidação de Fe), e a estrutura inclui dobras anticlinais com materiais impermeáveis (camadas argilosas do Keuper) que atuariam como selos naturais. A imprensa destaca que esses elementos geológicos (Aquíferos meteóricos, ofiolitos próximos, armadilhas estruturais) configuram um sistema integrado muito favorável. Essa permissão pioneira reflete como se priorizam zonas com evidências superficiais de H₂ e geologia adequada.
Esses exemplos ilustram o potencial da integração tecnológica na exploração. Por exemplo, a detecção de chaminés e pockmarks em dados sísmicos, combinada com anomalias geoquímicas superficiais, indica diretamente a existência de fontes profundas de interesse (stet-review.org & pv-magazine.es).
A construção de modelos 3D, alimentados com dados de campo e geofísicos (como sísmica, gravimetria e magnetometria), permite definir com alta resolução a geometria do reservatório e avaliar a integridade do selo. Por sua vez, os dados obtidos em poços ajudarão a refinar e atualizar as características do reservatório com maior precisão.
Dessa forma, a combinação de sísmica avançada, sensores inteligentes, análises de laboratório e inteligência artificial possibilita reduzir significativamente a incerteza exploratória. Cada anomalia pode ser validada mediante a integração de múltiplas fontes de evidência — estruturais, geoquímicas e modeladas —, o que aumenta a confiança nos resultados e aprimora a tomada de decisões na exploração de hidrogênio natural.
Embora o campo do hidrogênio natural ainda esteja em suas fases iniciais, já é evidente seu enorme potencial energético. Seu desenvolvimento exigirá superar desafios técnicos, como a degradação de materiais devido à exposição ao hidrogênio e riscos de falhas nos selos dos poços, além de uma compreensão mais profunda de seu comportamento no subsolo. No entanto, o surgimento de novas empresas e o crescimento da pesquisa científica em torno desse recurso demonstram uma confiança crescente em sua viabilidade.
A experiência e a infraestrutura do setor de petróleo e gás podem ser fundamentais para acelerar esse desenvolvimento, fornecendo ferramentas, conhecimentos e metodologias já testadas. Será necessária uma colaboração interdisciplinar para avançar na tecnologia e no conhecimento necessários para sua exploração eficiente e segura em larga escala.
Explorações em diferentes regiões do mundo sugerem que podem existir reservas capazes de atender à demanda global por milhares de anos, tornando o hidrogênio natural um recurso estratégico de grande relevância para a transição energética.
Em resumo, a exploração do hidrogênio natural é tanto um desafio científico e técnico quanto uma oportunidade única. Ela abre novas fronteiras para as geociências, ampliando o escopo dos geocientistas e posicionando-os como atores-chave no desenvolvimento de uma indústria emergente com o potencial de transformar o futuro energético do planeta.